A agonia começou no ano passado, na Feira do Livro, época em que Porto Alegre se transforma no melhor lugar do mundo. Ele percorria as barracas multifestivas, procurando o ouro dos balaios generosos e enchendo de leitura os meses seguintes, quando a viu. Foi apenas um relance, segundo menor que o segundo, a sacolinha plástica recheada de livros desaparecendo rápida no meio da multidão dominical , mas naquele instante único e fatal imaginou que aquela era a mulher de sua vida. Conseguiu enxergá-la ainda outra vez, esticando o pescoço, cabeça que sumia em meio às outras cabeças, o cheiro bom da pele adivinhado desde longe, apenas para dar-se conta, desesperado, que, a partir de então, não tê-la seria sofrimento. A mulher cheia de livros, pensou – o paraíso pode ser perto.
Perambulou pela Feira durante todos os dias restantes, olhando menos aos livros do que para os lados, apenas na ânsia de redescobri-la. Vasculhou barracas com atenção esperançosa às mãos próximas. Freqüentou seminários e oficinas, apenas para buscar os rostos da platéia. Sentou-se sozinho no bar, cafés e mais cafés, procurando todas as mesas na certeza triste de que nunca era. Estacionou em filas de autógrafos imaginando o que ela leria naquele instante, a mulher com quem desejava dividir a vida e os livros para sempre. Nada: a mulher perfeita decerto estava perdida no meio de tantos outros.
A Feira terminou mas sua busca prosseguiu. Em livrarias e sebos, nas sessões de autógrafos e lançamentos, em palestras e seminários, nos cafés e nos saraus, ele tentava a mulher – aquela vista de olhos, sacola abraçada de livros, que havia transformado a sua vida nesta busca agoniada. Quando a encontrasse, pensou, falariam sobre livros e seriam felizes.
Encontrou-a, por fim, no sábado passado, mal a Feira deste ano começava a se espalhar pela Alfândega. Estremeceu quando viu o mesmo jeito, a mesma sacola cheia de livros, os mesmos cabelos, o mesmo cheiro adivinhado que se haviam grudado à sua memória neste meses todos, e soube, na sua timidez de óculos, que não agüentaria outro ano.
Ela escolhia livros num balaio e ele, abrindo caminho a sutis empurrões, ensaiou outra vez a frase que, tinha decidido, seria a chave para abrir sua nova vida. Quando chegou ao seu lado, ela sorriu – e o sorriso era aquele imaginado.
“Maravilha esta Feira, não é? Dá para comprar livros para o ano inteiro!” – comentou ele, cheio de coragem.
“É, sim.” – concordou ela, e sua voz tinha a cor dos ipês e jacarandás da praça. – “Eu aproveito para comprar um monte de livros para a minha sobrinha” – depois, a voz baixa como se cometesse um pecado dentro da igreja – “Eu mesma não sou muito de leitura.”
Ele sentiu como se o chão lhe faltasse, mas ainda conseguiu reunir forças para sorrir, como se entendesse. Depois, passos de volta à vida mesma, foi garimpar ofertas em outra barraca.
Perambulou pela Feira durante todos os dias restantes, olhando menos aos livros do que para os lados, apenas na ânsia de redescobri-la. Vasculhou barracas com atenção esperançosa às mãos próximas. Freqüentou seminários e oficinas, apenas para buscar os rostos da platéia. Sentou-se sozinho no bar, cafés e mais cafés, procurando todas as mesas na certeza triste de que nunca era. Estacionou em filas de autógrafos imaginando o que ela leria naquele instante, a mulher com quem desejava dividir a vida e os livros para sempre. Nada: a mulher perfeita decerto estava perdida no meio de tantos outros.
A Feira terminou mas sua busca prosseguiu. Em livrarias e sebos, nas sessões de autógrafos e lançamentos, em palestras e seminários, nos cafés e nos saraus, ele tentava a mulher – aquela vista de olhos, sacola abraçada de livros, que havia transformado a sua vida nesta busca agoniada. Quando a encontrasse, pensou, falariam sobre livros e seriam felizes.
Encontrou-a, por fim, no sábado passado, mal a Feira deste ano começava a se espalhar pela Alfândega. Estremeceu quando viu o mesmo jeito, a mesma sacola cheia de livros, os mesmos cabelos, o mesmo cheiro adivinhado que se haviam grudado à sua memória neste meses todos, e soube, na sua timidez de óculos, que não agüentaria outro ano.
Ela escolhia livros num balaio e ele, abrindo caminho a sutis empurrões, ensaiou outra vez a frase que, tinha decidido, seria a chave para abrir sua nova vida. Quando chegou ao seu lado, ela sorriu – e o sorriso era aquele imaginado.
“Maravilha esta Feira, não é? Dá para comprar livros para o ano inteiro!” – comentou ele, cheio de coragem.
“É, sim.” – concordou ela, e sua voz tinha a cor dos ipês e jacarandás da praça. – “Eu aproveito para comprar um monte de livros para a minha sobrinha” – depois, a voz baixa como se cometesse um pecado dentro da igreja – “Eu mesma não sou muito de leitura.”
Ele sentiu como se o chão lhe faltasse, mas ainda conseguiu reunir forças para sorrir, como se entendesse. Depois, passos de volta à vida mesma, foi garimpar ofertas em outra barraca.
2 comentários:
Olá, Henrique.
Acompanharei tuas boas escritas daqui por diante.
Abraço.
Olá! Já acompanho seus textos há muito tempo, na coluna Vida Breve e hoje descobri que você também tem um espaço virtual! Gosto muito de ler seus contos, especialmente porque me lembram várias situações do cotidiano, da vida em geral... Vou acompanhar seu blog sempre que puder.
Abraços.
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